por Célia Rosa Fotografia de Leonel de Castro/Global Imagens
"Individualizados, direcionados para cada tipo de tumor, mais eficazes e menos tóxicos. Com os novos tratamentos. os doentes vivem mais anos e têm melhor qualidade de vida. Na véspera do Dia Mundial da Luta contra o Cancro, que se assinala amanhã, eis as principais novidades no controlo da doença.
Médicos e investigadores estão de acordo: vamos ter mais doentes com cancro mas vamos tratá-los cada vez mais cedo e melhor, curando a doença ou mantendo-a sob controlo. A esperança está nas chamadas terapias dirigidas: medicamentos e outras substâncias que têm como alvo alterações específicas das células malignas e que agem bloqueando o seu crescimento e impedindo a disseminação do cancro.
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Prof. Sobrinho Simões (IPATIMUP) |
Manuel Sobrinho Simões, médico, investigador e presidente do Instituto de Patologia e Imunologia Molecular da Universidade do Porto (Ipatimup) também é cauteloso: «Para já, as novas abordagens destinam-se a tratar pessoas com doença avançada, em segunda e terceira linha, pois ninguém se arrisca a dizer que vai abandonar o que funciona bem e oferece excelentes resultados, como a cirurgia e a radioterapia, para passar a tratar tudo com medicamentos biológicos. Sei que funcionam muito bem nos ratinhos injetados com cancros humanos, que crescem e são muito parecidos com os nossos, mas quando se experimenta no homem não é a mesma coisa, tirando meia dúzia de exceções», afirma o professor."
«Medicamento-maravilha»
Uma dessas exceções chama-se Imatinib, é um inibidor da tirosina cinase e revolucionou o tratamento da leucemia mielóide crónica (LMC). Manuel Abecasis, hematologista e diretor da unidade de transplante de medula do IPO de Lisboa, diz que a sua descoberta «foi o avanço mais espetacular» de que tem memória. «A LMC era a doença que mais transplantávamos e, hoje, quase que desapareceu das estatísticas da transplantação. Foi possível transformar uma doença fatal após um período de quatro ou cinco anos (se não fizesse entretanto um transplante) numa doença crónica, controlada com um comprimido diário, quase sem efeitos secundários, oferendo aos doentes a possibilidade de uma vida normal, semelhante à de qualquer outra pessoa, durante muitos anos. A eficácia do Imatinib surpreendeu a maior parte dos médicos e, em pouco tempo, passou a ser usado em primeira linha no tratamento da LMC», afirma Manuel Abecasis.
O Imatinib, um medicamento da Novartis, nasceu da investigação de mecanismos moleculares da LMC (uma translocação entre os cromossomas 9 e 22, levando a um cromossoma 22 mais pequeno, o chamado cromossoma-de-filadélfia) e foi pensado e desenhado em laboratório para atuar especificamente na anomalia genética que força as células tumorais a dividirem-se sem cessar. Resultado: mudou a história natural da doença. A revista Time deu-lhe uma capa e chamou-lhe «medicamento-maravilha».
Tiro ao alvo
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O HER2, explica José Carlos Machado, investigador do Ipatimup, «é um alvo anticancro muito específico - o medicamento une-se às proteínas HER2 e impede o crescimento das células cancerígenas e ajuda o sistema imunitário a destruí-las. Como só atua nas células malignas, causa menos efeitos secundários do que os medicamentos de quimioterapia, que também afetam as células saudáveis».
Drogas que atuam exclusivamente nas células tumorais e, por isso, com
menos efeitos secundários são o paradigma dos tratamentos-alvo e o Imatinib e o Trastuzumab são apenas duas das substâncias entre as várias que entretanto surgiram e que
atuam diretamente nos mecanismos dos tumores. Alguns tipos de cancro, só alguns, da mama, cólon e reto, pulmão, rim, melanoma, próstata, cérebro e certas leucemias beneficiam hoje do tratamento deste tipo de medicamentos.
Remédios que fazem a diferença
Das dezenas de medicamentos dirigidos aprovados nos últimos anos, há pelo menos três que ficarão nos anais da história da oncologia.
Imatinib (Glivec, Novartis) - A molécula que revolucionou o tratamento da leucemia mieloide crónica (LMC), que era uma doença quase sempre fatal. Desde 2002 que é usado como primeira escolha e transformou a LMC numa doença que não impede uma vida longa.
Trastuzumab (Herceptin, Roche) - anticorpo monoclonal usado no tratamento de mulheres com cancro da mama HER2+. Recentemente, passou a ter indicações para uso no tratamento do cancro do estômago metastizada HER2+, mas não tem tão bons resultados.
Rituximab (MabThera, Roche) - O primeiro medicamento dirigido que foi aprovado. É um anticorpo monoclonal utilizado para tratar linfomas das células B e leucemia linfócita crónica (também é usado no tratamento da artrite reumatoide).
O PROMISSOR
Vemurafenib (Zelboraf, Roche) - Foi recentemente aprovado e é uma esperança para o tratamento de adultos com melanoma, com mutação no gene BRAF, e desde que o tumor não possa ser removido cirurgicamente ou se já estiver metastizado. O melanoma é um dos tumores mais agressivos e, em princípio, esta droga retarda ou para o desenvolvimento do tumor.
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1846 - Uso da anestesia geral (vaporizador rudimentar com éter e inalador) abre portas à moderna cirurgia do cancro.
1880 (década) - Mastectomia radical (remoção de toda a mama, nódulos linfáticos e músculos do peito). Cirurgia agressiva e desfigurante para «cortar o cancro pela raiz.» A ideia de arrancar o cancro do corpo vingou e foi usada nas operações a outros órgãos.
1903 - Primeira utilização da radiação no tratamento do cancro, cinco anos depois de Marie Curie ter descoberto os raios X.
1943 - Introdução da citologia, inventada por George Papanicolaou, permitiu reduzir drasticamente a mortalidade associada ao cancro do colo do útero.
1947 - Pela primeira vez foi documentada a remissão de uma leucemia numa criança de 4 anos
1949 - A FDA aprovou a primeira droga quimioterapêutica, desenvolvida a partir do gás mostarda.
1950/60 - Estudos demonstraram que o consumo de tabaco está na origem do cancro do pulmão. Primeiras campanhas antitabágicas nos EUA.
1965 - Um novo regime de quimioterapia designada por MOPP (combinando quatro diferentes drogas) consegue curar metade dos doentes afetados com linfoma Hodgkin.
1971 - No cancro da mama inicial, a mastectomia deixou de ser tão invasiva e passou a preservar os músculos do peito.
1975-76 - Quimioterapia adjuvante (depois da cirurgia) aumenta as taxas de sucesso no tratamento do cancro da mama em fase inicial.
1977 - Um novo tratamento, combinando várias drogas, demonstra eficácia em setenta por cento dos doentes com cancro do testículo em estado avançado.
1970 (final da década) - Uso crescente da mamografia e implementação de programas de rastreio do cancro da mama. Em meados dos anos 1980, cerca de um terço das mulheres americanas com mais de 40 anos já tinham feito um exame.
1981 - FDA aprova a vacina contra o vírus da hepatite B, que provoca cancro do fígado.
1982 - Nova técnica cirúrgica (excisão mesoretal total) evita colostomias em muitos doentes com cancro coloretal.
1986 - Confirmação de que o fumo passivo pode provocar cancro. Aprovação do tamoxifeno para tratamento do cancro da mama positivo para os recetores dos estrogénios. OMS cria recomendações terapêuticas para tratamento da dor oncológica.
1990 (início) - Cirurgia laparoscópica passa a ser usada em oncologia (rim, próstata, cólon e reto). Radioterapia tridimensional (localização e imagens dos tumores e órgãos em 3D) aumenta a precisão, a segurança e a eficácia do tratamento.
1991 - Introdução de novos medicamentos que reduzem os efeitos secundários graves da quimioterapia.
970/90 - Confirma-se que a exposição prolongada ao sol aumenta o risco de desenvolver melanoma.
1997 - FDA aprova o primeiro medicamento dirigido - o Rituximab.
1990 (final da década) - Confirma-se que mulheres com mutação nos genes BRCA1 e BRCA2 têm maior risco de desenvolver cancro da mama e dos ovários e têm indicação para cirurgia profilática. Radioterapia de intensidade modulada - maior precisão e preservação dos tecidos envolventes permite.
1998 - Tamoxifeno passa a ser usado para prevenir recidivas do cancro da mama hereditário (alteração genes BRCA1 e BRCA2). Quimioterapia neoadjuvante (antes da cirurgia) reduz tamanho dos tumores e aumenta as cirurgias conservadoras da mama.
1998/2006 - Investigado e aprovado o Trastuzumab, o primeiro medicamento dirigido para tratamento de cancro da mama HER2+.
2001 - Aprovação do Imatinib, para tratamento da leucemia mieloide crónica e, com um intervalo de semanas, para tratamento do tumor GIST, um tumor gastrointestinal.
2003 - Cientistas concluíram a descodificação do genoma humano.
2003/2010 - Aprovados medicamentos-alvo para tratamento de alguns tipos de cancros do pulmão, ovário, rim, cérebro, cólon, reto, melanoma.
2004 - Aprovação do primeiro medicamento antiangiogénico, o bevacizumab.
2005 - Começa o Projeto de Genoma do Cancro.
2006 - Aprovada a vacina contra os vírus do papiloma humano, que estão na origem de setenta por cento dos tumores colo do útero
2012 - Novos medicamentos dirigidos para o cancro da mama HER2+.
Nota: Adaptado da American Society of Clinical Oncology (ASCO) -
http://www.asco.org/
Extraído de
http://www.dn.pt/revistas/nm/interior.aspx?content_id=3027336