Reino Unido é o primeiro país a aprovar uma técnica destas, que será usada só nos casos de doenças genéticas associadas às mitocôndrias – as baterias das células, herdadas sempre pela via materna.
A Câmara dos Comuns aprovou esta terça-feira a fertilização in vitro com o uso de material genético de duas mulheres e de um homem. Desta forma, o Reino Unido tornou-se o primeiro país a aprovar legislação que poderá dar origem a pessoas com linhagens genéticas provenientes de três pais. A medida foi pensada para evitar as doenças genéticas que estão associadas às mitocôndrias, e que afectam uma em cada 6500 crianças.
As doenças genéticas associadas às mitocôndrias afectam os órgãos que necessitam de muita energia como o cérebro, o coração ou o fígado. As mitocôndrias são pequenas estruturas em forma de bastonetes arredondados, que existem dentro de quase todas as células do corpo e que transformam o açúcar em energia. Esta energia é usada para todas as funções celulares, ou seja, para o corpo trabalhar.
Mas tal como as células têm material genético em forma de cromossomas no seu núcleo, também as mitocôndrias têm material genético dentro de si, que comanda aspectos do seu funcionamento. As mitocôndrias têm uma certa liberdade nas células e podem, por exemplo, dividir-se. Cada pessoa herda as suas mitocôndrias da linha materna – elas estão nos ovócitos e, por isso, passam de mães para filhos. Se uma mãe tiver uma doença genética das mitocôndrias, vai transmiti-la ao filho.
No entanto, os genes das mitocôndrias são menos de 0,2% do genoma humano. Enquanto os 23 pares de cromossomas no núcleo das células contêm cerca de 20.000 genes que comandam o fabrico de proteínas e que ajudam a definir cada pessoa – a personalidade, a altura, o peso ou a cor dos olhos –, os 37 genes das mitocôndrias estão somente relacionados com a produção de energia nas células.
Quando há mutações nestes genes mitocondriais, podem então surgir diferentes tipos de doenças: surdez, diabetes, doenças cardiovasculares, epilepsia e até doenças mentais. Algumas doenças são mais ligeiras, mas outras ameaçam a vida das pessoas. No Reino Unido, há 3500 mulheres com mutações no ADN mitocondrial que podem, potencialmente, passar essas doenças aos filhos, de acordo com um relatório do Parlamento inglês. Não há tratamentos para estas doenças.
Para evitá-las, os cientistas da Universidade de Newcastle, que desenvolveram a nova técnica de transferência nuclear, propõem um tipo de fertilização in vitro que passa pela doação de ovócitos de uma mulher com mitocôndrias saudáveis. Primeiro, retira-se do ovócito doado o seu núcleo, onde estão os cromossomas humanos, usando a técnica de microinjecção intracitoplasmática. Neste ovócito (sem o núcleo original mas com as mitocôndrias saudáveis) podem ser introduzidos o núcleo do ovócito da mãe – evitando assim transmitir as suas doenças das mitocôndrias – e o núcleo vindo do espermatozóide do pai.
O futuro bebé terá, deste modo, a grande maioria do material genético proveniente do pai e da mãe, e uma pequena porção de material genético – aquele que existe nas mitocôndrias – de uma dadora, que permanece anónima e que na proposta da nova lei não terá direitos legais sobre a criança.
“O ponto de partida é positivo”, disse ao PÚBLICO o geneticista Alberto Barros, membro do Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida. “Esta é uma técnica experimental e há que ter cautela. Mas é um passo muito importante no sentido de evitar a transferência das doenças genéticas das mitocôndrias.”
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